domingo, 18 de outubro de 2009

Contos de Whisky

- Mais um uísque, por favor – pediu o pároco da cidade.
 
Constantino pensava insistentemente no que havia acontecido. Como poderia sua filha ter saído com um rapaz na noite passada? Logo ela, criada para namorar apenas garotas, sair com as amigas e experimentar todas as sensações que somente o mesmo sexo poderia proporcionar. Logo ela, doce e feminina, algo raríssimo naquele lugar. Logo sua filha, a menina mais cobiçada pelas professoras da universidade. Tudo era estranho. Constantino lembrava-se da indecisão de tempos atrás, quando, por descuido do destino, transara com uma forasteira e resolvera aceitar a responsabilidade de ser pai. A mãe de Laura sumira sem dar explicação. Seria praticamente impossível cuidar dos fiéis, sabendo que ele havia pecado. Seu namorado da época pediu explicações e Constantino não sabia como usar as palavras. Os tempos mudaram. Você não vive mais no passado. Hoje a coisa é bem diferente. Essas três frases eram as mais ouvidas pelo padre em todo o vilarejo. E ecoavam.
 
Laura estava feliz. Tinha finalmente feito o que toda garota feia e desarrumada, em seu âmago, queria fazer. Tinha beijado o cara mais namorador da cidade. O rapaz que tinha todos os homens a seu alcance. O homem que queria experimentar algo novo. Celso confessara que desejava fugir com uma mulher para bem longe. Laura queria ser essa mulher. Ir contra tudo e contra todos só pelo prazer da aventura. Já havia ligado para todas as amigas e tentado descrever minuciosamente o sabor de um beijo masculino. Muitas sentiam inveja e, logo, toda a cidade comentava o que a filha do padre havia feito. Laura pouco se importava com a opinião alheia. Queria ser como sua mãe. Aventureira, desmedida, inquieta e fujona. Um exemplo de pessoa naquela época, pelo menos pra ela.
 
Constantino viu Laura sair de casa completamente arrumada e entrar em um carro. Sua filha havia crescido. 17 anos, vestido curto vermelho, maquiagem, salto alto, cabelo solto e um sorriso no rosto só visto quando saíra com sua primeira namorada, há 4 anos. Constantino queria sumir. Não demorou muito para que amigas e ex-namorados fossem consolá-lo. Diziam que era normal pra idade dela, que cientistas já haviam afirmado que a adolescência era o momento certo de decidir sobre a opção sexual. E era tudo tão confuso. Laura não entendia o que Celso queria dizer com aquele “foi só para experimentar”. E todas as promessas da noite de sexta? E todos os beijos, amassos e abraços? Tudo em vão? Parecia que sim. Celso se despediu com um beijo na testa da menina, selando amizade. Estava mesmo disposto a nunca mais vê-la.
 
Laura entrou. Pediu licença, sentou ao lado dos amigos do pai e chorou, copiosamente. Enxugou as lágrimas. Retocou a maquiagem e disse as únicas palavras que conseguia dizer naquele momento:
 
- Mais um whisky, por favor!

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Um comentário:

  1. Tocou "Natasha" na minha mente, lembrei de um ou dois dramalhões mexicanos; Joguei tudo numa panela e imaginei a cena. E revi meus conceitos quanto à textos antigos repletos de 'ultra-romantismo'.

    E espero ansiosamente "beber" muitas vezes mais desses contos de whisky.

    Teus textos é que me inspiram, caro criador! ;)

    Abraços mil!
    - Olhar de Sal de Jack
    http://olhardesaldejack.blogspot.com/

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