sábado, 21 de novembro de 2009

Contos de Whisky II

Era noite de Natal. Em meio à música, vozes e pessoas, Carolina escolhia ficar só. O oitavo andar poderia ser seu refúgio, desde que ninguém, nada a pudesse perturbar. Não gostava muito de comemorações. Culpa de seus pais, responsáveis por quase todos os traumas e complexos presentes naquela alma. Gostava da noite e queria sair para um lugar tranquilo, onde ela e sua solidão pudessem aproveitar a escuridão como um casal de bêbados dançando e cambaleando sob o luar.

Lembrou-se daquilo que sempre a acompanhava em tempos difíceis. Aproximou-se da adega, pegou o melhor vinho, colocou 3 cubos de gelo em um copo e afogou-se em mágoas. Pensava em sua mãe, histérica e nervosa, espalhando por aí como era infeliz e como desejava morrer naquele segundo. Morrera, arrependida e, por incrível que pareça, feliz. Recordava a brutalidade de seu pai. As surras, as brigas homéricas, as discussões nas sextas-feiras à tarde, os impedimentos... Olhava para trás e não conseguia enxergar algo que tivesse valido à pena. Realmente, nada valia à pena. Hoje, a infeliz era ela, sem carinho, sem perspectiva, sem futuro, sem amor.

Mas tinha o que posso chamar de “instinto defensivo emocional”. Carolina havia se relacionado com 5 homens. Não amou nenhum, justamente porque não sabia – e não sabe, até hoje – o que é o tal do amor. Sexo, nunca fez. Seu corpo pedia, mas a única resposta que ela conseguia dar era o trabalho. Carolina tinha prazer por trabalho. Era uma jovem e bonita mulher refém do trabalho. Não sentia afeto por ninguém, nem mesmo por seu cachorro, que naquela noite de 25 de Dezembro resolvera passear pelas ruas do bairro em busca de atenção. Como ele descera aqueles 8 andares? Deveras desnecessário...

Era instinto porque era subjetivo, exclusivo, pessoal. Era da Carolina. Era defensivo porque a cada nova tentativa e a cada nova decepção, fechava-se em si mesmo deixando para trás qualquer arrependimento que pudesse pensar em ter. Era emocional e autoexplicativo. Fora amada por todos os seus 5 homens, que ao primeiro passo em falso, perdiam aquela linda menina de olhos castanhos escuros, cabelos encaracolados pretos e sorriso no rosto. Dava medo.

Agora, é Ano Novo. Ela sente como se algo realmente novo a estivesse esperando na esquina mais próxima, mas tem medo de descer e descobrir o que é. Estava insegura. Carolina passara uma semana presa em seu apartamento, com medo do mundo e ninguém entendia o porquê. Ninguém mesmo, afinal, Carol, como prefere ser chamada, tem a incrível capacidade de enxergar o brilho perdido das pessoas.

E bebia. Como todos os outros indivíduos que conheço. Pra ter coragem, pra dançar ao som da música mais agitada, pra ter liberdade, pra ficar junto de alguém que nunca imaginaria poder ficar, pra fazer acontecer... Entretanto, é só um pretexto para vencer o medo. A maioria dos ébrios que conheço lembram-se de tudo o que fizeram na noite passada – inclusive o gosto do beijo da pessoa amada. Os desmemoriados, como Carolina, pedem e eu conto tudo o que vejo. O que realmente acontece só você pode me dizer...

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3 comentários:

  1. Carolina parece comigo, fechada e sem sentir o Doce Aroma do Amor!
    xD

    Vem cá, mas Contos de Wisky não se passava numa cidade Gay?! õO

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  2. Caro Joseph,

    Whisky, o narrador dessa história, conversa com o leitor no último parágrafo e deixa transparecer que ele é o contador de histórias dos ébrios. É como se ele passasse de lugar em lugar, contando causos diferentes, mas sempre com o mesmo foco: a influência da bebida no psicológico de cada personagem.

    A tal cidade gay a que você se refere, a do primeiro conto, é apenas uma das quais Whisky percorreu. O que não quer dizer que ela não possa aparecer em algum conto seguinte.

    Mas ele vai explicar isso melhor em breve. Pelo menos é o que eu espero.

    Abraços e obrigado por ler!

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  3. Caramba! Senti um arrepio avassalador na espinha lendo a sua explicação. Juro, nunca pensei que isso pudesse ser tão carregado de filosofia e sentimento. Meu jovem, certamente você se superou agora com esse Conto de Whisky, embora eu tenha predileção pelo primeiro. xD

    Explore mais o psicológico na sociedade dos personagens e nos deixe em êxtase cada vez mais no próximo conto. E se puder, use algumas experiências de suas próprias andanças! ;)

    Abraços, Whisky!
    - Leandro Merlllin
    http://chicachicaboomchic.blogspot.com

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