quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Balanço do inexistente

Lembro-me de beijos que não existiram. Lembro exatamente o momento em que nossas bocas se encontraram lentamente depois de uma brincadeira sagaz e um olhar certeiro. Lembro a hora, o lugar e a razão. Percebi seu quase gesto de recusa, o medo em seu olhar de menina recém-aprovada no vestibular. Lembro-me de não estar lá. E da sua ausência também.

Não consigo esquecer aquele sonho, que permanece até hoje encalacrado em minha lista de oportunidades perdidas. Queria poder dormir eternamente, com você permanentemente envolvida em meus braços mesmo que em uma dimensão transcendental. Não faria mais nada a não ser te impedir de voltar à realidade e me deixar ali, plantado em meu sonho impossível. Queria te proibir de viver sozinha e só lutar pra tê-la ao meu lado pelo tempo necessário que o pra sempre implica. Perco-me em detalhes soturnos e acabo assombrado por mim mesmo. Dica fundamental sobre mim: eu sou exatamente desse jeito.

Sou surpreendente mesmo quando você insiste em dizer que sou o mais previsível dos homens. Sou bobo, fofo ou todas as denominações que você me impõe a cada conversa demorada de madrugada. Sou aquele que você não teve, mas que permanecerá ao seu lado todo santo dia, esperando até que mude de ideia. Sou a essência da completude quando pensei que seria da impossibilidade. Sou apaixonadamente tentado a esquecê-la, mas daí percebo que meus dias sem você serão como salas de cinema fechadas pra balanço. Limpas, porém sem vida qualquer perambulando lá dentro.

Não a culpo. Até queria fazer isso, mas olho pra minha mão e vejo que três dedos estão apontados pra mim quando tento tocá-la. E como eu tento tocá-la. Tento sucessivas vezes tatear seu corpo, dar-te o carinho que nunca recebeu, mas você me evita. Esquiva, finge que está com frio e recusa meu calor. Confundo minha linguagem, erro coisas bobas quando estou perto de você. Reinvento todas as vírgulas, mudo os pronomes, seleciono os adjetivos. O meu verbo é você, mesmo que intransitivo, sem ligação nenhuma.

E sabe da melhor? Você sabe de tudo isso. Sabe que é a primeira a vir em minha mente quando a palavra ‘paixão’ surge em letras garrafais em um outdoor qualquer. Sabe do quanto preciso de você em um sábado à tarde só pra ver o pôr do sol. Sabe, pura e simplesmente, a minha verdade em relação ao que sinto por você. Mas espera pelo tempo certo. É tão sensata e especial que não acredita em milagres e mudanças repentinas por trás de alguém que já errou tantas vezes. O medo guia nossas mentes tal qual pais despreparados conduzem filhos inocentes. E vamos vivendo em cartas rabiscadas na última página de um caderno velho, em documentos escondidos no computador, em fotos nunca reveladas, nem mesmo nas redes sociais.

Somos diferentes de qualquer casal. Somos únicos e por isso mesmo reincidentes nesse crime de gostar demais, sem poder ter uma gota de decisão sequer. É melhor seguir assim sabendo que vou tê-la ao meu lado depois de um tempo do que correndo o risco de perdê-la. Prefiro mil vezes ser teu de mentira a não ser teu de verdade. Fica, vai ter festa. Vamos comemorar nosso primeiro mês de não namoro com um não beijo e uma não declaração de amor. Passa aqui em casa. Tô te esperando...


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3 comentários:

  1. "Reinvento todas as vírgulas, mudo os pronomes, seleciono os adjetivos. O meu verbo é você, mesmo que intransitivo, sem ligação nenhuma".

    Cara, que obra de arte. O texto e esses amores desencontrados que inspiram a gente, para melhor ou para pior.

    Parabéns, Senhor do Tempo.
    ^^

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  2. Leio sempre o teu blog e acho teus textos maravilhosos. É uma das poucas leituras que gosto de fazer e que me inspira.
    "Balanço do inexistente" foi uma superação que me fez até chorar!
    Sucesso e escreva muito mais que continuarei lendo!
    Juliany Marinho

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  3. Olá Marcos,

    Você não mede as palavras. Elas brotam, saltam, pulam do seu consciente e cá estão elas, fora, ao alcance de qualquer mão, de qualquer olhar ou de qualquer boca.
    Como exprime bem e, eloquentemente, seus sentimentos.
    E esse amor, que não é, ainda amor, é todo dor, mas é já flor.
    Há muito, que não lia um texto, assim!
    Parabéns, sinceramente.

    Beijos deluz.

    afectosecumplicidades.blogspot.cpm

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