domingo, 25 de março de 2012

Contos de Whisky VII

Manhã de sexta. Juliana abre a janela do quarto e contempla a paisagem da ilha rebelde do alto de seu apartamento. Refém de uma malemolência digna dos malandros cariocas, a menina esfrega bem os olhos e sussurra para si mesma que aquele seria o dia. Morando sozinha há pouco mais de um mês após uma discussão com os pais, a garota de 20 anos finalmente percebe que agora sim a vida valeria a pena. Solitária, companheira apenas de seus livros e ressentimentos, estando exatamente onde queria estar, com planos fadados a erros insolúveis.

Estava solteira há quase 1 ano e os únicos relacionamentos que tivera nesse ínterim foram uma mistura de inexplicáveis e insaciáveis desilusões. Sexo displicente, vingança, beijos em desconhecidos, vida inexata. Durante esse tempo de contradições, conhecera Vinícius, um rapaz calmo, solícito e interessante, como ela mesma o descrevia para as amigas mais próximas. Mais novo, tinha tudo o que ela acreditava ser capaz de fazê-la feliz naquele momento. Adorava cinema, leitura noturna e achava sua voz engraçada. Ele seria diferente de seu último namorado, que a largara pra jogar futebol no sul do país.

Mas nunca Juliana sabia se Vinícius estava interessado nela. O rapaz sempre contava sobre seus antigos relacionamentos, falava com carinho das garotas com quem ficava e até jogava algumas indiretas, mas nenhum sinal fixo de que poderia rolar alguma coisa. Certo dia, ao se encontrarem na biblioteca da faculdade, Juliana sentiu que queria beijar Vinícius, mas o garoto não esboçou movimento nenhum para que isso acontecesse. Ela quis matá-lo. De amor, mais uma vez.

De alguma forma, Juliana pressentia que Vinícius estaria no mesmo lugar que ela naquela noite. Música alta, gente bêbada e a chance perfeita para ficar com ele. Um homem não resiste a um flerte na balada, pensou. Sua malandragem estava escancarada naquele vestido curto. O ímpeto representado pelo salto alto e a máscara que somente a maquiagem pode oferecer faziam de Juliana a  mulher mais decidida de toda a festa. Ao chegar, tratou logo de beber um ou dois drinks e criar coragem para qualquer coisa. Ouviu dezenas de cantadas, inclusive uma minha, mas manteve-se focada em seu objetivo.

Vinícius apareceu e sumiu rapidamente. Juliana não queria parecer vulgar, atirada ou mesmo bêbada para o rapaz, por isso toda vez que o via esperava que ele a chamasse pra dançar, o que não aconteceu. Cansada de tudo e de todos, pegou a única arma em punho naquele momento: seu celular. Com mais álcool no sangue, enviou uma mensagem desencontrada para seu intento, que logo apareceu em meio a luzes e batidas repetidas. Juliana disse tudo o que queria e sentia, como já planejara desde cedo. O problema é que as palavras dela soavam como “coisa de menina bêbada” e não como “coisa de menina apaixonada”. Vinícius permaneceu calmo e preocupado se ela chegaria bem em casa. Nenhuma reação, mesmo após ouvir Juliana dizer que não sabia exatamente o porquê, mas que queria beijá-lo ali, já, naquele instante.

Em casa, Juliana, ainda bêbada, resolveu encerrar o assunto através de outra mensagem dizendo que era só aquilo, não tinha mais jeito, acabara. Boa sorte. Vinícius não respondeu, não atendeu as chamadas da garota, sequer explicou porque tinha tanto prazer em desprezá-la. Outro dia, vi o garoto saindo de uma lanchonete abraçado a outro garoto. Os dois pareciam felizes, coisa de pele mesmo. Juliana continua cheia de coisas pra fazer, gente pra conhecer e novos Vinícius pra amar. Mas ela tem preguiça - inclusive de dizer que não era bem aquilo que queria expressar na derradeira mensagem. Vive um dia de cada vez, agarrada à esperança de daqui a um tempo entender por que aquele rapaz é assim. Tão distante e, ao mesmo tempo, tão eterno.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Tribunal do ex-amor

Já pensou se todas se reunissem para falar de mim? Um salão circular preenchido por cadeiras confortáveis, um tribunal onde eu seria acusado pelo crime que vivo cometendo: ser eu mesmo. Todas as ex-namoradas, ficantes, paixonites e afins juntas, debatendo meus prós e contras, meus erros e acertos. A paixão da 2ª série sentada ao lado da atual dona dos meus pensamentos soturnos e noturnos. A esquisita frente a frente com a mais cheirosa. A inesquecível trocando telefone com a mais efêmera.

De fato, seria curioso. A primeira namorada se aproximaria do púlpito localizado no centro da sala e abriria o verbo contando como nos conhecemos e como nos desconhecemos. Falaria das noites, dos beijos e do meu descontentamento com suas alegrias. Pertinentemente, começaria a lembrar de que até poderíamos ter ido mais longe, mas voltaria a me odiar porque só tivemos 1 semana para terminar o que nem começamos direito. E eu sem direito de me defender.

Todas falariam das mensagens de texto no celular. Palavras carinhosas (parte I), carinhosas (parte II) e sumiço temporário que durava um bom tempo. Ou mais. Nesse intervalo, discutiriam por que sou assim. Diriam que é o cansaço, preguiça, displicência, impaciência e inúmeros motivos tortos. Diriam também que no começo é tudo maravilhoso, mas que no fim eu simplesmente deixava pra lá. Reclamariam que os apelidos fofos só apareciam depois das brigas e até que as próprias mensagens só surgiriam de novo após as brigas. Algumas mais radicais e recentes informariam sobre a mania cruel de mensagens de madrugada carregadas de teor alcoólico. Tendência unânime: todas elas adoravam receber as mensagens, mesmo as forçadas.

Algumas falariam pouco, outras elogiariam, mas sempre com uma queixa a fazer. Saídas que não aconteceram, beijos que não rolaram ou que ocorreram tarde demais, verdades inescapáveis, terríveis acessos de fúria em salas de cinema, coisas. Ninguém sairia satisfeito até dizer o que havia entalado na garganta para alguém que também tinha algo a dizer. No entanto, ao ouvirem o barulho e afirmações fortes que cada uma fazia, perceberiam uma coisa: eu tinha sido melhor para as sucessoras. A número 1 serviu de teste e aperfeiçoamento para a relação com a número 2 e assim por diante. Nenhuma tinha uma reclamação exatamente igual. “As pessoas mudam”, diria alguma das presentes que pensasse nisso.

Nenhuma foi tratada pelo mesmo adjetivo da outra, sempre houve reinvenção. Nenhuma conheceu os mesmos defeitos que a antecessora conheceu. Ou eles ficaram mais evidentes ou se perderam no tempo. Por fim, todas admirariam o cuidado que tive para não enxergar as mesmas pessoas em corpos diferentes. Algumas derramariam uma lágrima por ainda estarem procurando alguém como eu, outras simplesmente sairiam do local reconhecendo minha inocência e as mais orgulhosas e céticas ainda iriam querer mais debate e discussão.

Neste dia, iriam para a casa com a única certeza sobre os humanos que existe: ninguém é igual. Nem mesmo a mesma pessoa é exatamente igual aos 13 e aos 20 anos. Sofreriam por saber que eu segui em frente e seguiriam em frente ao saber que eu também sofri para chegar aqui. Um tribunal sem sentença, onde a única juíza é a vida e onde o único réu é você mesmo.