domingo, 29 de abril de 2012

Primeira esquina, à direita

I Won't Give Up by Jason Mraz on Grooveshark

Aliás, você sabe onde me encontrar. Sabe que estarei sempre sentado naquela nossa esquina favorita, lendo um livro qualquer, bebericando o resto de uma bebida comprada há alguns dias em um desses bares de subúrbio. Sabe muito bem que não conseguirei te esquecer de imediato e entende, como só os loucos entendem, o quanto eu penso em você a cada noite de chuva ou tarde ensolarada. Só esqueço você pela manhã, quando o que me importa é o sono dos justos e o sonho dos covardes.

Quem diria que iríamos nos separar assim, feito água e óleo, frio e calor. Grande amiga, mulher pela qual eu daria o céu se pudesse tocá-lo. Fugi de você porque despertei de um pesadelo terrível, doce criatura. Como continuar a te seguir se sequer podia tocá-la? Como permanecer do teu lado se não podia nem sentir teu gosto, molhado e suado beijo negado? Muito prazer, me chamam de otário, largado na sarjeta da estrada dos desesperados.

Sonhei, decerto, com a progressão de nossa relação. De forma silenciosa, me via ao teu lado discutindo ciências humanas, escolhendo filmes tailandeses em uma locadora suntuosa e reclamando do alto preço do jornal de domingo. Não esperei muita coisa quando descobri sua impaciência, encalacrada em um milharal de defeitos suportáveis e perfeitamente compreensíveis. Enganei a mim mesmo com gosto de mentira mergulhada em veneno, desses que dificilmente matam, apenas nos corroem, lentamente.

Fugi pela porta da frente te deixando nos fundos. Saí, apaguei as luzes e tranquei a porta, necessariamente nessa confusa ordem. Como sempre, sempre confusos, nós. Como dar o próximo passo se passo nenhum havia a dar? Como encarar e externar o próximo desejo se desejo nenhum havia a se apresentar? Adoro essa sua cara de sono e o timbre da sua voz, que fica me dizendo coisas tão malucas. Era maluquice te querer. Não daria certo nunca.

Quando sentei à esquina e te vi desolada tentando entender o que diabos havia acontecido, finalmente entendi o que diabos havia acontecido. Eu estava cansado. Cansado de tanta indecisão, de tanto devaneio bobo, de tanto prognóstico de invisibilidade. Tentei dar certeza por uma boa dezena de vezes, assim como reconheço suas tentativas, mas cabia a mim um basta, porque você não seria capaz de fazê-lo. Nós fizemos tudo errado desde o dia em que pensamos demais nos outros passados e nos esquecemos de nossos presentes. Voltamos à esquina onde nos conhecemos, onde um par se fez um só.

Não vou sumir de teu bairro até conseguir separar o que ainda sinto por ti daquilo que senti. Não te peço tempo nem paciência, apenas resguardo. Ame, não te impedirei de amar ninguém, apenas pondere e responda a si mesma se me amou o tanto quanto te amei. E se eu aparecer bêbado em uma dessas velhas e sujas esquinas que não seja a nossa, rapte-me, camaleoa, adapte-me ao seu ne me quitte pas...


sábado, 14 de abril de 2012

Crimes - Ferdinand Von Schirach

Um prato cheio para quem gosta de Direito Penal. Assim poderíamos definir o livro “Crimes”, do advogado alemão Ferdinand Von Schirach (Ed. Record, 2011). Trata-se de uma narrativa exploradora da linha tênue entre realidade e ficção no mundo do crime, que vai muito além do acontecimento em si, levando o leitor a repensar seus conceitos de condenação prévia. Uma seleção de contos que beiram o bizarro, mas que, segundo o autor, não passam de verdade nua e crua.

Ao longo de 11 capítulos, cada um com uma história diferente, Von Schirach nos leva a um passeio pelos crimes e julgamentos mais interessantes da Alemanha nos últimos tempos, como o caso do clínico geral aposentado que matou a esposa com um machado de lenhador por não aguentar mais suas queixas e reclamações. Seria mais um crime cruel se o histórico de calmaria e quietude não estivesse sempre presente na vida do indivíduo. Houve um acesso momentâneo de fúria, depois de tanto tempo calado frente às humilhações da mulher. O que fazer? Puni-lo judicialmente é o certo ou a própria punição pela qual o aposentado passava por ter assassinado a esposa (e ainda amá-la) já é suficiente?

Von Schirach, que assumiu a posição de advogado de defesa em todos os casos relatados no livro, explora o lado jurídico-filosófico das causas, fazendo um relato do psicológico de seus clientes e expondo boas justificativas para os delitos. O homem que enterrou os pedaços cortados do cliente morto de sua amiga prostituta o fez por amor. O mais louco de tudo: o cliente havia morrido de causas naturais, sem ter ela nada a ver com a situação. Houve crime? Tentar proteger alguém que se ama é considerado crime?

Com uma intensidade chocante, “Crimes” nos dá um verdadeiro tapa na cara ao elencar situações que parecem sem motivo ou sem solução. Apesar de ser um livro fino (176 páginas), a leitura pausada acaba sendo mais recomendada, tanto por diminuir a angústia no que se refere às histórias quanto pela aceitação e reflexão acerca dos acontecimentos de cada uma. Uma sugestão e tanto para quem gosta de saber o que se passa em uma mente criminosa e para os advogados em busca de bons argumentos na hora de defender um caso.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ainda existe privacidade?



Você ainda faz questão de ter privacidade? Afinal, ela acabou ou ainda perambula raquítica por aí? O fato é que assinamos um contrato sem sequer analisar seus riscos. Fazemos parte agora da parcela populacional que coloca a espionagem tácita em um verdadeiro pedestal. Casa, padaria, lanchonete, shopping center. Não basta ir, você tem que avisar que está lá e, além de disso, dizer quem está com você. Às vezes, mesmo quem é totalmente avesso a esse tipo de invasão, participa do check-in sem nem saber do que se trata. Uma atualização que pode servir para reunir amigos, mas que também é um prato cheio para os mal intencionados de plantão.

No último fim de semana, durante o show da Pouca Vogal aqui em São Luís, fui indagado por uma amiga sobre o que eu fazia mexendo no celular naquele momento (nada invasivo, uma vez que era hora de curtir a balada e deixar o celular de lado). Expliquei que estava fazendo check-in em um site chamado Foursquare e vendo por onde estavam meus seguidores. Para quem não conhece, o Foursquare é uma rede social com ares de jogo online em que você diz onde está naquela ocasião e compartilha com outros usuários. Basicamente, quanto mais você compartilha sua localização, mais pontos e medalhas ganha. Se for analisado a fundo e quanto à sua utilidade, acaba sendo bem idiota. Mas torna-se legal pra quem é apaixonado por essa falsa vida social que o século XXI nos obriga a ter.

Pois bem. Dado o check-in (e após o show, claro), passei a me questionar por que diabos eu havia feito aquilo, naquele local. A primeira resposta que me veio a mente foi: "eu queria compartilhar minha alegria em estar no show de uma banda legal e fazer uma inveja ~ branca ~ para quem não estava lá". Pecado nenhum, ué. Entretanto, uma outra dúvida surgiu: e o simples fato de avisar que estamos em casa ou no shopping? Fazer inveja? A quem? Ou simplesmente aparecer na internet?

A notoriedade da mídia se transformou na necessidade de compartilhar. Todos querem falar para os amigos o quão gostoso é o novo sushi da cidade. Todos querem dizer que estão no aeroporto rumo ao Rio de Janeiro. Todos queremos aparecer - nem que seja em um tweet ou publicação no Facebook. Coisa de gente solitária, esquizofrênica, blasé? Vai saber. E nossa privacidade? Ainda existe ou é puro termo dos livros de psicologia do século passado?

Sinceramente, não acredito no fim desse resguardo social. A privacidade ainda existe, apesar de toda a informação compartilhada. É bem difícil ver alguém dizendo que está em um motel ou no banheiro fazendo o número 2. Ainda temos o senso e a noção do ridículo, ainda bem. Ninguém quer saber disso. A gente, que mantém perfil social na internet, quer aprender mais com as publicações alheias, sorrir um pouco, saber como nossos velhos amigos estão, enfim, se divertir. Postar onde você está e o que está fazendo não é pecado nem exagero. Só não tem uma razão definida. Uns fazem porque gostam, outros porque querem e outros porque é moda.

Ninguém quer ser vigiado 24 horas por dia. Querer fama e notoriedade esbarra em problemas comuns como "eu fiz merda no passado, não posso me expor". Quem disse que gostamos que os outros saibam de tudo da nossa vida? O que caiu foi nossa máscara da privacidade, revelando a de falsos compartilhadores inveterados que somos. Postar não significa dizer que você aboliu a privacidade de sua vida, mas sim que apenas trouxe pra si o hábito de compartilhar. Por isso, continuemos fazendo check-ins e checando onde estamos. Dentro ou fora do limite do ridículo.