domingo, 10 de junho de 2012

A escritora, a pintora e a cinéfila

Algumas coisas da vida a gente guarda na mente com carinho. A lembrança do cheiro da mãe, o primeiro dia de aula, a casa da infância, a melodia de nossa música preferida... Em meio a tantas sensações diárias, só nos resta catalogar cada experiência e depositar lá no fundo da memória, em um verdadeiro baú de sentimentos. De vez em quando, nos permitimos a abri-lo e resgatar algumas coisas, jogando fora outras. Nessa faxina emocional, inevitavelmente nos deparamos com detalhes despercebidos, mensagens não decodificadas e palavras soltas, que só fazem sentido agora, depois de muito tempo. Tarefa do dia: abrir meu baú de fatos e limpar seus objetos empoeirados.

Não quero comparar ninguém, mas as três tinham uma veia artística inegável. Uma, escritora nata, salivava poesia toda vez que falava. A cada atitude impensada, a cada modus operandi diferente do meu, um sarau de vícios e virtudes aparecia, prendendo a atenção do único expectador interessado naquele espetáculo. Uma personagem digna de todos os prêmios da academia, presa aos solavancos da vida, essa a sua única inspiração. Moça sábia, de aventuras literárias enaltecidas em seus passeios de coletivo. Não sei se ainda existe, se ainda mantém resquícios da menina mais velha que um dia conheci, só sei que faz falta – no sentido mais puro e sem segundas intenções que possa existir.

A segunda, em ordem crono-ilógica, veio da música. Veio da partilha de sentimentos fora de validade diretamente ao encontro de alguém totalmente disponível e apaixonável. Aprimorou a arte do bem querer, do “tudo vai ficar bem”, do “me namora”. Esteve disponível por todos os dias, horas, minutos, até ir embora sem eu bem entender por quê. Alguma coisa sobre liberdade, sobre eu não ser a pessoa certa. Como a primeira, também tinha tino para a arte. Pintou o amor em formas retas, brandas, inimagináveis. Ligada com a mente, envolveu-se e desenvolveu-se ao longo do tempo. Também faz falta, mas cabe ao tempo, esse senhor de destinos, regular os ponteiros de nosso desencanto.

A última e não menos importante, veio do nada. Do cotidiano de fins e começos, de histórias desconsertadas. Tinha tudo e mais um pouco e me fez perceber que “tanta afinidade assim, eu sei que só pode ser bom”. Morava no bairro perfeito, falava as palavras perfeitas, queria a profissão perfeita, era a garota perfeita, cheia de imperfeições. Venci todas as etapas possíveis, mas não passei no teste da indecisão. Como em uma comédia romântica carregada de reviravoltas, me vesti de drama e senti o terror de estar em um filme de ação. Eu, amante desengonçado da sétima arte, perdi o final da história por simplesmente não querer assisti-la. Tal qual ela fez. A que mais falta me faz e a que menos eu sei como fazer pra ter de volta sem desejo e sem lampejo de felicidade.

No final, sempre acabamos descobrindo que nosso baú não tem tamanho, é um buraco negro de memórias boas e ruins. Deus me livre de um brilho eterno de uma mente sem lembranças. Prefiro ler Caio Fernando Abreu, durante uma exposição de Romero Britto, antes de assistir a “Cada Um Tem a Gêmea Que Merece” – que, aliás, é um péssimo filme.