quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Aquela antiga felicidade

Chega de tanto choro. Eu te trouxe pro samba, minha velha, esqueceu? Esqueceu como éramos felizes no batuque do sagrado swing do coração? Esqueceu a velha nota dó que eu tocava pra você só pra chamar atenção? 1970, você grávida do nosso mais velho. Como eu estava feliz. Seria pai em plena ditadura militar, em meio a protestos, gritos e ecos de gente inocente. São Luís ainda não era nada. Tinha uma ponte recém-inaugurada e algumas dúzias de pessoas se permitindo a passar pro outro lado. Eu não queria estar entre essas dúzias. Por mim, continuava no bairro de Fátima, ao lado da minha Fátima. Mas você insistiu. Insistiu em vida nova, em começar de novo pras bandas do São Francisco. Nossa vida sempre rodeada por santos, anjos e Deus, não é mesmo?

Era tão bom poder caminhar sobre o Anil. Atravessar a ponte disposto a pensar em tudo e nada ao mesmo tempo. Sentir a brisa gelada do mês de Agosto enquanto alguns carros modelo 80 passavam por mim com seus escapamentos soltando fumaça. Meu destino era a feira da Praia Grande na tentativa de alimentar melhor nossos dois filhos. Augusto queria camarão fresco e Carlos Alberto só pensava em um carro pra levar as namoradinhas pra Gonçalves Dias. A Vale começava a operar pras bandas do Bacanga e tentar garantir um emprego por lá não seria um mau negócio. Consegui, veio o Chevette 88 e a democracia. A promessa era de um novo tempo. Caixas d’água espalhadas pela cidade, viadutos e o nosso lazer em uma avenida litorânea. Novamente, foi você quem sugeriu a Ponta D’Areia. E minha virada de século só foi completa porque estávamos unidos e felizes feito família de comercial de loja de material de construção.

Eu te trouxe pro samba, mulher. Aqui, nesse sábado ensolarado, de calor nunca visto por nós nem por ninguém nessa ilha de encantos e azulejos. Já pode sorrir ouvindo “Conselho” ou “Deixa a Vida Me Levar”. Deixa de desconfiança. Eu não vou te trocar pelos shoppings e vias expressas. Não vou me contentar com veículos leves e sobre trilhos nem com relógios gigantes fazendo contagem regressiva pra não sei o quê. Eu só quero você por perto, admitindo ter 62 e eu 65. A gente já viu tanta coisa juntos, lembra? Lembra a alegria de Carlos Alberto quando passou na prova da Ordem? E de Augusto insistindo pra namorada paulista que camarão fresco era a melhor comida da cidade, você lembra? Chega de chorinhos e chorões. Vamos pra casa. Que bom que você aceitou voltarmos pros lados da Kennedy e terminarmos essa história bonita onde tudo começou. Te amo, Fátima. E só vou deixar de te amar se você votar de novo no atual prefeito!

São Luís (1978)

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