domingo, 25 de novembro de 2012

Carta de arrependimento

Não se preocupe comigo, guria. Eu sei me cuidar! Pelo menos é o que eu acho e o que venho repetindo todos os dias em frente ao espelho. A cada despertar desengonçado às 9 da manhã desses dias insuportavelmente ensolarados, eu tento enxergar meu reflexo de uma forma melhor, sem o esfregar de olhos característico de quem ainda não acordou direito. Todo dia tem sido miseravelmente chato aceitar o fato de que você não está aqui para me dar um beijo de bom dia ou me servir uma fatia de bolo da padaria. Até o padeiro já sabe que você foi embora. Só eu que ainda não aceitei sua decisão.

Aceitar e acreditar são coisas diametralmente diferentes, mas que eu faço questão de unir em um só corpo e um só espírito. Saudade de nossos domingos na Igreja de manhã cedinho. Você me fazia ter fé na vida, em Deus e na gente. Pegávamos nosso ônibus e passeávamos pelo centro da cidade, todo esburacado, fazendo daquela a nossa cena romântica da semana. Eu tinha pena da felicidade infeliz dos casais que por nós passavam. Aquela mesmice, chatice, coisa mais sem graça. Nós não. Nós éramos Romeu e Julieta sem a inimizade das famílias. E eu não era nada sem você.

Você sempre fazia questão de aumentar a voz quando a Cássia Eller cantava “que o pra sempre, sempre acaba”. Era um recado explícito a um jovem apaixonado feito eu. Hoje não tem mais graça ouvir nossas músicas, assistir a nossos filmes, degustar nossas comidas. Já não tem mais graça ser engraçado. Como você gostava das minhas piadas sem graça, dos meus hematomas após esbarrar em todos os móveis da casa, como você cuidava bem de mim. Eu fui um ingrato quando te traí. Eu deixei escapar a única certeza que eu tinha na vida: a de que eu só seria feliz com você.

Agora estou aqui, em casa em um sábado à noite, digitando essas palavras bobas de arrependimento. Bobas porque não acredito que elas serão suficientes para trazer você de volta. Se eu quisesse você de volta, eu levantava agora dessa cadeira, pegava meu carro e iria a sua casa fazer serenata, aproveitando para acordar seus pais e vizinhos. Mas eu não sei dirigir. Eu não sei dirigir minha vida sem você. E você, sabe? Sabe ser feliz sozinha ou com outra pessoa? Não me diga que aprende porque eu não vou conseguir aceitar. Aceita casar, ter filhos, um cachorro e uma casa na praia quando formos ricos?

Eu sei me cuidar, meu amor. Se esse sol todo for embora amanhã, eu levo meu guarda-chuva na mochila e te deixo despreocupada, ok? Agora deita, dorme e descansa. Preciso ir ao bar encontrar a galera. Preciso chegar antes de todo mundo, olhar para o lado e prestar atenção naquela morena maravilhosa que está acompanhada na outra mesa. Preciso disfarçar, olhar para os lados, conferir o relógio e esperar que ela finja que vai ao banheiro só para poder encontrar comigo. Preciso levantar, atender aos meus instintos masculinos, segui-la, mirar aqueles seios fartos e desistir, mesmo após constatar toda a volúpia e lascívia em seu olhar, dizendo:

- Tem rímel aí, colega? Fico péssima sem maquiagem!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Preguiça, neutralidade e outras considerações

E quando me perguntaram sobre o que eu estava sentindo, simplesmente respondi: “tenho estado e ficado neutro”, sem pensar em todas as consequências tortas que teriam aquelas cinco palavras. Tortas porque, de fato, nem eu sei se estou neutro sentimentalmente ou não. Talvez a frase tenha sido escarrada justamente porque é como eu gostaria de estar nesse momento ou porque é assim que estou sem nem ao menos perceber. O que sei é que essa indefinição sobre sentir – o que não significa insensibilidade – tem sido positiva, pelo menos pra mim.

A falta de alguém pra preencher meus pensamentos antes de dormir é algo novo por aqui. Rola até um medo dessa ausência de vez em quando. Será que eu perdi a capacidade de amar? Ando desacreditado amorosamente? Por onde recomeçar? Os traumas de antigamente tinham o poder de fazer com que eu fosse além, buscando superá-los e fazendo novas escolhas imediatamente. Hoje vejo como mudei. Pouco me importa fazer a diferença, ir lá fora e encarar o sol quente procurando algo novo. Bate preguiça, eu perco a vontade. E culpo a greve, culpo a falta de tempo, culpo você – mesmo que você não tenha nada com isso.

Antes que os leitores fiquem procurando dar nome aos bois, saibam que o único personagem dessas linhas de desabafo sou eu mesmo. Um eu prestes a completar 21 anos e sem muitos planos definidos. Como tenho dito, me surpreendo com a capacidade que algumas pessoas têm de planejar tanto essa vida incerta que a gente leva. Acho tão bonito quando alguém escancara seus planos futuros e se empolga com aquilo. Queria ser assim – e talvez eu seja – mas ando com preguiça até de planejar. Aos esbanjadores de sonhos, continuem assim. Vocês me fazem ter a certeza de que sonhar é preciso!

Envolvido em situações desconcertantes e desafiadoras, acho que até consegui um avanço. Talvez eu tenha usado esse tempo de resignação, que já está se esvaindo, pra conhecer gente nova e não me apegar, diferentemente de como eu fazia antigamente. Aliás, eu até tentei me apegar, mas levei um drible glorioso da preguiça, que não me deixou seguir em frente. Falando assim, até pareço um desses caras que passa o dia inteiro sem fazer nada, curtindo o ócio trancado em um quarto escuro, ouvindo rock e jogando videogame. Acreditem se quiser, eu envelheci uns 10 anos nesses meses parado por causa da greve na faculdade. Hoje tenho muito mais conteúdo e poder de decisão do que antigamente.

Fazer esse balanço entre quem você é hoje e quem era você no passado sempre é positivo. Recomendo que o façam sem pestanejar. Vocês descobrirão novos sabores, diferentes sensações e saberão por onde pisar agora que está tudo novo de novo. Tenho a certeza de que estou novo de novo, mas não sei ao certo se estou neutro ou não. Até porque não dá pra ser imparcial nessa selva de pedra chamada existência. Ou você gosta dela ou não gosta. Hoje, eu só preciso me declarar. Com uma dose de vinho na cabeça e um pagode duvidoso tocando lá pras bandas do Sá Viana. “E se vai atrás da moça, como um filme, sempre vence o bem”.